Carlos Nina
Mas este texto não visa a erros ou acertos das decisões de José Sarney. É um testemunho sobre suas convicções democráticas, a partir do conceito que aprendi de Democracia, quer nas aulas do professor Orlando José da Silveira Leite, na disciplina Teoria Geral do Estado (na Salamanca da Rua do Sol, como Sálvio Dino se referia à antiga Faculdade de Direito, antes da criação da UFMA), quer nas leituras e pesquisas em autores cujas obras preservo, como Amoroso Lima, Machado Paupério, Carl Schmitt, Darcy Azambuja, Geoffrey Roberts, Jellinek, Kelsen, Mabbott, Jean-Jacques Chevalier, Rawls, Schumpeter, Cranston, Paulo Bonavides, Dahl, Jaeger e, especial, Norberto Bobbio.
O conceito de Democracia varia de autor para autor, mas os princípios não. Um deles é precisamente o defendido por Bobbio já no título de seu livro O futuro da Democracia – uma defesa das regras do jogo. E escreve: “o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos.” (p. 18)
No último capítulo, conclui: “E o que é a democracia se não um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue? E em que consiste o bom governo democrático se não [...] no rigoroso respeito a estas regras? [...] No momento mesmo em que um regime democrático perde de vista este seu princípio inspirador, degenera rapidamente em seu contrário, numa das tantas formas de governo autocráticos ...”. (p. 171)
Criticado duramente por seus adversários, não tenho notícia de Sarney usando o poder que detinha para cercear-lhes o direito de opinião e manifestação do pensamento, a liberdade pessoal ou profissional. Nem mesmo quando assumiu a presidência da República, nas circunstâncias em que se deu, e enfrentou incontáveis crises e greves, sem deixar de observar a chamada liturgia do cargo.
Ao discursar no Congresso Nacional, em fevereiro de 2010, Sarney referiu-se ao “Poder Judiciário, guardião da Constituição. Nós fomos quem a entregamos [...] ao Supremo Tribunal Federal, para guardá-la. É ele que tem essa missão e, portanto, devemos respeitá-lo e acatá-lo sabendo que vai cumprir essa missão em favor do povo brasileiro. Sem o Judiciário [...] a democracia seria impossível.” (Agência Câmara de Notícias)
No plenário da Assembleia Legislativa do Maranhão há uma frase principiológica de José Sarney: “Não existe democracia sem parlamento livre.”
Eram as meias-palavras que gostaria de dizer ...
*Carlos Nina é advogado, jornalista e juiz de direito aposentado
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