quinta-feira, 19 de maio de 2022

Desembargadora Sônia Amaral: “Não tenho compromisso com o erro”


A mais nova desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão, dra. Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro, citou o que já dissera o ex-presidente da República, Juscelino Kubitschek, para sintetizar sua capacidade de curvar-se diante da razão: “Não tenho compromisso com o erro”.

A afirmação foi feita pela Dra. Sônia Amaral, em discurso que proferiu na sessão solene no dia 18 de maio de 2022, após receber do presidente do TJMA, desembargador Paulo Velten, o diploma e a medalha especial de mérito do Judiciário "Cândido Mendes", em cumprimento à Resolução TJMA nº 56/2013. A Dra. Sônia Amaral já havia tomado posse como desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão, no dia 27 de abril de 2022

Na solenidade da diplomação, a nova desembargadora proferiu um discurso a que deu início falando de si mesma, através do poema “Traduzir-se”, do poeta maranhense Ferreira Gullar, complementando: “nós, seres humanos, somos imperfeitos. E, por conta dessa imperfeição, somos, muitas vezes, antagônicos, contraditórios, ambíguos. (...) é a partir dessa contradição e desse antagonismo, tão bem descritos no poema de Ferreira, que crescemos para formar o conjunto de nós mesmos e a aceitação dos contrários.”

Sobre sua nova missão, disse Sônia Amaral: “Trabalhar em um colegiado significa, muitas vezes, a aceitação dos contrários, a aceitação de entendimentos opostos ou díspares àquele advogado por nós mesmos. Significa, enfim, aceitar que a melhor decisão deve levar em conta olhares e saberes, que, por vezes, passam despercebidos pelo nosso campo de visão.”

Intelecto e sabedoria

Citando Thomas Sowell, autor de sua predileção, disse a nova desembargadora: “O intelecto não se confunde com a sabedoria”. O intelecto, para Sowell, “é a capacidade de apreensão e de manipulação de conceitos e ideias complexas”, que, muitas vezes, a serviço de propostas interesseiras, pode resultar tanto em “conclusões equivocadas quanto em ações insensatas”, motivo pelo qual intelecto não se confunde com inteligência, pois que ela resulta da “combinação do intelecto com a capacidade de julgamento e acuidade na seleção de fatores explicativos relevantes”.

Disse a desembargadora Sônia que, se a sabedoria “não estiver em intersecção com o intelecto e a inteligência, pode trazer à sociedade mais problemas que soluções”. Voltou a citar Sowell: “sabedoria tem a ver com o conhecimento mundano e singelo espalhado entre a população em geral, atributo esse que ‘pode sobrepujar em muito o conhecimento especial das elites, tanto em quantidade quanto em consequências’, ao que conclui, com muita sabedoria, que, se nenhum de nós consegue deter sequer 1% do conhecimento disponível, por mais inteligentes que sejamos, a imposição de ideias ou de ações que despreza esses muitos saberes é a fórmula certeira para o desastre.”

Decisões amadoras sobre questões complexas

A nova desembargadora anunciou: “não esperem de mim uma julgadora com pendências para fazer justiça social, o que ocorre, segundo Sowell, porque muitos advogados e juízes, por serem especialistas em Direito, têm inclinação de presumir, de forma crescente, que podem tomar decisões para além de suas funções originais, usando a lei como ‘instrumento de mudança social, o que significa que eles começaram a tomar decisões amadoras sobre questões complexas, as quais ultrapassam em muito as estreitas fronteiras da (sua) competência’ ”.

À propósito de sua posição, a desembargadora Sônia fez os seguintes questionamentos: “a que conceitos e metodologias se recorre para afirmar que tal e qual decisão atende aos clamores da justiça social? A justiça social que adoto como parâmetro, outro magistrado a tomará para o mesmo fim? O sentido de justiça social, para mim, é também para outro magistrado? Decidir, sob a égide da justiça social, para atender a interesses individuais sem levar em conta as consequências para a sociedade e sua estrutura de funcionamento são o mais recomendável? Ou temos que avaliar, em perspectiva ampla, as consequências das nossas decisões? Não seriam os poderes Executivo e Legislativo, eleitos diretamente pelo povo, os efetivos e reais responsáveis pela concretização da justiça social, a partir das políticas públicas escolhidas e da distribuição adequada das receitas auferidas via arrecadação de tributos? Essas são algumas perguntas que me levam a entender que, seja pela missão que nos foi imposta pela Constituição, seja pelas balizas da lei, não podemos subjetivar em excesso as normas e adentrar no papel dos demais Poderes sob a justificativa, bem-intencionada, de que se deve atender à justiça social nas decisões. De boas intenções, o inferno está cheio!”

O quinto constitucional

Não ficou fora do discurso de Sônia Amaral o quinto constitucional, parte integrante dos tribunais composta por membros indicados pela OAB e pelo Ministério Público. Abordou o tema homenageando o desembargador Jorge Rachid, indicado para o TJMA pela OAB.

Disse Sônia Amaral: “A partir da gestão do Desembargador Jorge Rachid, a qual tomo como referencial, e, portanto, para mim, a divisa entre o que era e o que restou transformado, confesso que se apagou em mim o relativo temor, que, até então, mantinha em relação a membros das Cortes judiciais oriundos do Quinto Constitucional. Percebi, ao contrário da minha apressada desconfiança, que o nosso modelo constitucional agregara sabedoria, ao estender a membros da Advocacia e do Ministério Público a composição dos tribunais. O ato de julgar, e de gerir a res pública, exige a transversalidade, a diversidade e a pluralidade entre pontos de vista, o que justifica coexistirem profissionais do Direito que atuam, por assim dizer, na outra ponta, como advogados ou representantes da própria sociedade. Tê-los entre nós é, decisivamente, enorme ganho ao aperfeiçoamento da nossa instituição.”

Ética da virtude e da responsabilidade

A desembargadora Sônia Amaral teve uma palavra de distinção para cada um dos desembargadores, para seus auxiliares, seus familiares, enfatizando: “Procuro sempre olhar o que há de melhor em cada um porque sei que, por mais defeitos que enxerguemos no outro (e isso é muito fácil de fazer: pinçar os defeitos alheios e esquecer os próprios desvãos), há sempre pontos inexplorados que apontam virtudes. Portanto, meus caros colegas, peço que me corrijam nos muitos erros que, com certeza, cometerei, pois isso, para mim, não será demérito, mas sim, acréscimo e aprimoramento na busca da sabedoria. Por outro lado, esperem de mim muito esforço, dedicação e discussões sempre cordiais, mesmo quando envolvam divergências de entendimento.”

Ainda sobre seu próprio perfil, afirmou: “Tenho, ainda, como verdade, que o julgamento monocrático, que até então promovia como juíza da 10ª Vara Cível da Comarca de São Luís, não é igual ao que passarei a promover agora no colegiado. Sou weberiana e, dessa forma, acredito que, principalmente, nos órgãos colegiados, os julgamentos passam por duas éticas: a da virtude (ou da convicção, como preferem outros) e a da responsabilidade. Não abro mão da ética das virtudes, que guarda relação com os valores pessoais em que acredito. Porém, por entender que, principalmente em julgamentos colegiados, as consequências são mais abrangentes e, por vezes, as decisões podem ser definitivas, valorizarei, igualmente, a ética da responsabilidade, aquela que orienta as decisões na vida pública e que, muitas vezes é, entre as possíveis, a menos danosa ao conjunto da sociedade ou à governabilidade do próprio Poder Judiciário.”

Sônia Amaral, inegociável

Ainda sobre seu próprio perfil, enfatizou: “peço de público aos meus fraternos colegas do primeiro grau e aos amigos que continuem a me tratar pelo primeiro nome, Sônia Amaral, não esqueçam desse pedido. Somos todos magistrados e o título faz parte apenas da liturgia do cargo, quando estivermos em sessão ou audiência. No mais, repito, ficarei muito feliz em ser tratada por vocês como uma igual. Se o colega do primeiro grau fizer questão de ser chamado de doutor, excelência ou meritíssimo, assim o farei, mas, mesmo assim, a exigência de me chamar pelo primeiro nome permanece e é inegociável.”

Penumbra de incertezas

A desembargadora Sônia encerrou seu discurso citando Thomas Sowell, deixando inequívoca sua visão da função jurisdicional: “Não pode haver qualquer estrutura judiciária confiável toda vez que juízes forem livres o suficiente para impor, como lei, suas próprias noções individuais sobre o que é justo, caridoso ou está mais de acordo com a justiça social. (…) “Apesar de os juízes terem conhecimento e habilidades especializadas para determinar em que ponto a lei limita a liberdade de ação dos indivíduos, isto é completamente diferente de termos juízes dando palpites sobre como indivíduos legalmente responsáveis devem exercer a liberdade de ação que lhes é devida dentro dos limites da lei.” (…) “A crescente penumbra de incertezas que se cria em torno de todas as leis sempre que os juízes se entregam às suas próprias noções, encoraja a criação de crescentes litígios por parte daqueles que não teriam um caso real válido sob a lei escrita, mas que podem, contudo, se tornar capazes de extorquir concessões dos que eles processam, os quais, por sua vez, nem sempre estão dispostos a arriscar uma engenhosa interpretação da lei, dada por determinado juiz.”

Quem é a nova desembargadora

A desembargadora Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro é Graduada em Direito UFMA, pós-graduada no Curso Preparatório da Magistratura pela Escola Superior da Magistratura - ESMAM, tem Especialização em Magistério Superior pelo UNICEUMA, é mestra em Políticas Públicas pela UFMA e em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, Portugal..

Antes de ingressar na magistratura, em 1989, Sônia Amaral foi advogada da Assembleia Legislativa do Estado. Foi professora da disciplina de Juizado Especial Cível e Processo Penal da Escola Superior da Magistratura - ESMAM e de Processo de Execução Cível da Faculdade Santa Terezinha - CEST.

Exerceu a função de Juíza Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça (1998/1999, 2004/2005 e 2008/2009), Coordenadora da Casa Abrigo de São Luís/MA (1999/2001), Coordenadora Geral dos Juizados Especiais do Estado (2000 e 2004), Juíza Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Maranhão, Juíza Coordenadora do Planejamento Estratégico do TJMA.

Sônia Amaral foi presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão (2001/2002), vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (2002/2004) e presidente da Cooperativa de Crédito da Magistratura, do Ministério Público, dos Defensores Públicos e Procuradores do Estado, no Maranhão.

Em São Luís foi também titular do 7º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo e da 10 Vara Cível.



Íntegra do discurso da Desembargadora Sônia Amaral Fernandes Ribeiro

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?


Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Desembargador Paulo Velten, estimados colegas magistrados, advogados, membros do Ministério Público, Defensores Públicos, autoridades, prezados servidores do Poder Judiciário, meus familiares e amigos.

Inicio com o poema “Traduzir-se” do nosso saudoso conterrâneo Ferreira Gullar, por dois motivos: primeiro, e fundamentalmente, porque gosto muito de poesia, apesar de não ter sido agraciada com o dom de escrevê-la; segundo, porque os versos dizem muito do que sou, do que penso e de como encaro minha participação neste mundo.

Redundante dizer: nós, seres humanos, somos imperfeitos. E, por conta dessa imperfeição, somos, muitas vezes, antagônicos, contraditórios, ambíguos. Todavia, não significa dizer (penso eu) que isso seja algo negativo, pois é a partir dessa contradição e desse antagonismo, tão bem descritos no poema de Ferreira, que crescemos para formar o conjunto de nós mesmos e a aceitação dos contrários.

Trabalhar em um colegiado significa, muitas vezes, a aceitação dos contrários, a aceitação de entendimentos opostos ou díspares àquele advogado por nós mesmos. Significa, enfim, aceitar que a melhor decisão deve levar em conta olhares e saberes, que, por vezes, passam despercebidos pelo nosso campo de visão.

Thomas Sowell, um dos autores da minha predileção, em seu livro “Os Intelectuais e a Sociedade”, no primeiro parágrafo, afirma que “O intelecto não se confunde com a sabedoria”. O intelecto, para Sowell, “é a capacidade de apreensão e de manipulação de conceitos e ideias complexas”, que, muitas vezes, a serviço de propostas interesseiras, pode resultar tanto em “conclusões equivocadas quanto em ações insensatas”, motivo pelo qual intelecto não se confunde com inteligência, pois que ela resulta da “combinação do intelecto com a capacidade de julgamento e acuidade na seleção de fatores explicativos relevantes”.

Argumenta ele que, ao lado de professores, jornalistas, ativistas sociais, políticos, escritores, acadêmicos e outros profissionais, nós, do sistema de Justiça formamos o que se convencionou chamar de intelligentsia, cuja matéria-prima é a ideia. Ideias essas que afetam diretamente a vida concreta de todos. E aí, o autor cita dois exemplos; o de Adam Smith, que influenciou o liberalismo e o capitalismo, mas sequer cuidou de um único negócio; e o de Karl Marx, ideólogo do Comunismo, e que nunca chegou a gerenciar um gulag.

Pois bem, e aqui se sobrepõe a importância da sabedoria, que, se não estiver em intersecção com o intelecto e a inteligência, pode trazer à sociedade mais problemas que soluções. Então, o que seria sabedoria e como ela contribui com a inteligência?

Para Sowell, sabedoria tem a ver com o conhecimento mundano e singelo espalhado entre a população em geral, atributo esse que “pode sobrepujar em muito o conhecimento especial das elites, tanto em quantidade quanto em consequências”, ao que conclui, com muita sabedoria, que, se nenhum de nós consegue deter sequer 1% do conhecimento disponível, por mais inteligentes que sejamos, a imposição de ideias ou de ações que despreza esses muitos saberes é a fórmula certeira para o desastre.

Apresento-lhes apenas um exemplo, entre muitos: com o advento da lei dos Juizados Especiais Criminais, a violência doméstica que resultasse na prática de crimes aparentemente de menor monta, como lesão corporal leve, passou àquela esfera de competência. O que aconteceu? Diminuiu o número de agressões? Não. E por que não, se o problema detectado pelos doutos era de que o processo comum resultava moroso e ineficaz? Simples, porque, apesar da maior agilidade na resposta, o problema de origem não fora atacado e porque, sob o comando da Justiça, o aparato estatal passou a cometer uma segunda agressão contra a vítima, qual seja: como as mulheres que sofriam agressões e que procuravam a Justiça, na grande maioria, tinham pouco poder aquisitivo, a condenação do agressor ao pagamento de cestas básicas, via de regra, redundava na diminuição da já reduzida dispensa de alimentos e, portanto, na menor ingestão de comida por elas próprias e seus filhos.

Portanto, meus estimados colegas magistrados, não esperem de mim uma julgadora com pendências para fazer justiça social, o que ocorre, segundo Sowell, porque muitos advogados e juízes, por serem especialistas em Direito, têm inclinação de presumir, de forma crescente, que podem tomar decisões para além de suas funções originais, usando a lei como “instrumento de mudança social, o que significa que eles começaram a tomar decisões amadoras sobre questões complexas, as quais ultrapassam em muito as estreitas fronteiras da (sua) competência”.

Afinal, a que conceitos e metodologias se recorre para afirmar que tal e qual decisão atende aos clamores da justiça social? A justiça social que adoto como parâmetro, outro magistrado a tomará para o mesmo fim? O sentido de justiça social, para mim, é também para outro magistrado? Decidir, sob a égide da justiça social, para atender a interesses individuais sem levar em conta as consequências para a sociedade e sua estrutura de funcionamento são o mais recomendável? Ou temos que avaliar, em perspectiva ampla, as consequências das nossas decisões? Não seriam os poderes Executivo e Legislativo, eleitos diretamente pelo povo, os efetivos e reais responsáveis pela concretização da justiça social, a partir das políticas públicas escolhidas e da distribuição adequada das receitas auferidas via arrecadação de tributos? Essas são algumas perguntas que me levam a entender que, seja pela missão que nos foi imposta pela Constituição, seja pelas balizas da lei, não podemos subjetivar em excesso as normas e adentrar no papel dos demais Poderes sob a justificativa, bem intencionada, de que se deve atender à justiça social nas decisões. De boas intenções, o inferno está cheio!

Dito isso, tenho como verdade que vou buscar sabedoria entre vossas excelências como caminho profícuo para meu crescimento profissional e pessoal. Acredito, firmemente, que muito tenho a aprender com os senhores membros desta Corte de Justiça e faço tal afirmação porque com muitos já trabalhei diretamente e com outros, se não o fiz, conheço bem seus atos e compromissos a serviço da Justiça.

Trabalhei como Juíza Auxiliar da Corregedoria com os desembargadores Jorge Rachid, Stélio Muniz, Jamil Gedeon e Paulo Velten e, com eles, aprendi na prática a enorme diferença em contarmos, nas funções de direção dos tribunais, com profissionais e especialistas qualificados em gestão. Os desembargadores Jorge e Jamil, posso atestar, legaram-nos exitosos mandatos na Corregedoria e nesse Tribunal. E o desembargador Paulo Velten, por tudo o que realizou à frente da Corregedoria, no último biênio, promete igualmente contribuir para o fortalecimento do Judiciário estadual na presidência dessa Casa.

A partir da gestão do Desembargador Jorge Rachid, a qual tomo como referencial, e, portanto, para mim, a divisa entre o que era e o que restou transformado, confesso que se apagou em mim o relativo temor, que, até então, mantinha em relação a membros das Cortes judiciais oriundos do Quinto Constitucional. Percebi, ao contrário da minha apressada desconfiança, que o nosso modelo constitucional agregara sabedoria, ao estender a membros da Advocacia e do Ministério Público a composição dos tribunais. O ato de julgar, e de gerir a res pública, exige a transversalidade, a diversidade e a pluralidade entre pontos de vista, o que justifica coexistirem profissionais do Direito que atuam, por assim dizer, na outra ponta, como advogados ou representantes da própria sociedade. Tê-los entre nós é, decisivamente, enorme ganho ao aperfeiçoamento da nossa instituição.

E aqui, prezado Desembargador Froz, faço-lhe uma provocação: atrevo-me a dizer que Vossa Excelência terá à frente uma grande encrenca ao suceder ao Desembargador Paulo Velten na Corregedoria.

Brincadeiras à parte, apesar de saber que não será fácil cumprir essa tarefa, pelo muito que o Desembargador Velten fez no comando daquela Casa Correicional, tenho convicção de que Vossa Excelência está, sim, igualmente à altura da função e, por certo, também desempenhará uma grande gestão. Conheço bem seu temperamento afeito a estímulos desafiadores e cito só um exemplo: Vossa Excelência foi membro fundador da COOMAMP ao tempo em que fui presidente da AMMA e, ao lado do Mistério Público estadual e da Justiça do Trabalho, criamos a Cooperativa de Crédito. Vossa Excelência demonstrou imensa coragem ao confiar nessa neófita em Finanças que, a despeito disso, sonhava em criar uma instituição dessa natureza.

Aos desembargadores Cleones, Lourival, José Luís, Castro, Vicente, Ronaldo, Bogéa e à Desembargadora Francisca Galiza, muito teria a dizer sobre o quanto aprendi com cada um. Contudo, valho-me de uma única palavra que revela o mais fundamental de quaisquer relatos: AMIZADE, aquela que aprendi a cultivar, a receber e a retribuir para além, muito além do cargo. Falo da amizade que se reconhece entre olhares um do outro, no gesto cumpliciado, no carinho esbanjado em momentos difíceis. E por associação, tomo aqui emprestada a bela definição consagrada pelo filósofo Michel De Montaigne em seus Ensaios: “A amizade cresce com o desejo de que dela temos; eleva-se, desenvolve-se e se amplia na frequentação, porque é de essência espiritual e a sua prática apura a alma”.

Falo das pessoas com quem tive convívio mais próximo e a quem, quebrando o formalismo, quero tratar singelamente pelos seus nomes, como amigos queridos que são. Assim é Cleones em cujos gestos, muitas e muitas vezes, encontrei o consolo necessário. E Lourival, com o altruísmo de compartilhar sua vasta cultura e seu humor requintado. E José Luís, pelas atitudes integras e pelo trato sempre gentil. E Castro, pelos laços de irmandade, dessas em que há identidade de posições, mas também brigas que não duram mais que duas horas. E Kleber, pela amizade que remonta ao meu início, quando recebida por ele e Celeste, na Comarca de Itapecuru, com imenso carinho e firmes exemplos, pelos quais procurei me moldar como juíza. E Vicente e Ronaldo, pelas lutas associativas compartilhadas e pelo apoio recebido. E Bogéa, pela sinceridade, pela alegria contagiante e pelo caráter exemplar. E Francisca Galiza, essa pessoa, professora honoris causa em bondade e preocupação legítima com a sorte dos outros.

À Desembargadora Graça e aos Desembargadores Joaquim, José Jorge, Raimundo Barros, Ricardo Dualibe, Marcelino, Tyrone, Luis Gonzaga, Josemar, Vieira, Guerreiro e Douglas, destino a palavra GENTILEZA como a que melhor traduz a satisfação que tem sido para mim desfrutar, ao longo de anos, do seu convívio. Gentileza e respeito no trato rotineiro e, sobretudo, na acolhida de colegas magistrados. Quando ingressei na magistratura, muitos de vocês já aqui estavam. Essa gentileza de que falo e com que fui tratada por cada um serviu-me de esteio e de guia e disso extraí ensinamentos que não constam nos livros de Direito. Repito: vossas excelências, portanto, contribuíram - e por certo continuarão a contribuir – com a minha busca incessante pela sabedoria nos termos de Thomas Sowell.

Aos colegas Gervásio e Bonfim, que comigo foram escolhidos na sessão do dia 27 de abril, para compor esta Egrégia Corte, uma palavra também: COMPANHEIRISMO. Iremos compor a 3a Câmara Criminal e, tão logo, escolhidos os nossos nomes a parceria e a sintonia têm sido uma constante. A despeito da matéria criminal há algum tempo estar fora dos nossos radares, tudo isso leva-me a crer que os processos receberão o tratamento esperado pela sociedade. Estamos – e quando digo estamos ouso a falar pelos colegas nominados – nos empenhando para estar a altura da missão.

Quero ainda registrar o quanto tenho aprendido (e vou continuar aprendendo) com os Desembargadores Bayma e Marcelo, nas aulas de Direito Penal e de Processo Penal decorrentes dos seus votos e intervenções, aos quais acompanho pela Rádio Justiça, dada minha impossibilidade de assistir assiduamente às sessões de julgamento.

À Desembargadora Nelma, quero relatar o episódio do qual acho que ela não se lembra, mas de que eu nunca me esqueci: quando entrei na magistratura, meus filhos eram crianças e era imensa a preocupação em deixá-los em São Luís, durante a semana. Uma ocasião, externei a ela essa aflição. Ao que ela ensinou-me: “Não se preocupe, nessa idade, eles não precisarão tanto de você, precisarão na adolescência e você já estará em São Luís”. Dito e feito. Obrigada Nelma, por ter amainado meu espírito e compartilhado esse conhecimento de vida.

À minha amiga, Desembargadora Ângela, digo que com ela sedimentei, reforcei, redobrei o aprendizado de que é com determinação que realizamos nossos projetos.

Aprendido esse que me veio, na origem, da minha mãe, Dona Terezinha Amaral, cuja presença tenho a alegria de ver linda e altiva nesta solenidade. Com ela, aprendi que a vida não é nada fácil para quem espera ver seus projetos concretizados por combustão espontânea. São necessários esforço, empenho e muita determinação para atravessar noites e noites estudando, mesmo que - como foi para mim e, de certo, para tantas outras pessoas - a rotina fosse trabalhar de manhã e de tarde, pegar seis ônibus todo dia e assistir a aulas das 7 às 10 da noite.

Com meu pai, Luiz Amaral, infelizmente já falecido, aprendi que, apesar da dureza da vida a exigir noites em claro quando o corpo pede cama, a serenidade e a empatia para com o outro devem nortear nosso comportamento.

Serenidade, confesso, que continuo aprendiz. Algumas vezes, perco a paciência quando o recomendável seria a calma. Entretanto, com relação à empatia, sem falsa modéstia, acho que aprendi bastante, mesmo considerando ser algo que exige constante aperfeiçoamento.

Procuro sempre olhar o que há de melhor em cada um porque sei que, por mais defeitos que enxerguemos no outro (e isso é muito fácil de fazer: pinçar os defeitos alheios e esquecer os próprios desvãos), há sempre pontos inexplorados que apontam virtudes. Portanto, meus caros colegas, peço que corrijam-me nos muitos erros que, com certeza, cometerei, pois isso, para mim, não será demérito, mas sim, acréscimo e aprimoramento na busca da sabedoria. Por outro lado, esperem de mim muito esforço, dedicação e discussões sempre cordiais, mesmo quando envolvam divergências de entendimento.

Em breve, pretendo publicar uma coletânea de artigos que, por sugestão do Desembargador Lourival, autor do prefácio, se chamará “O Rio de Heráclito”, sentido que muito bem traduz a auto revisão a que me proponho: a inflexão de pontos de vista, a mudança de minhas próprias opiniões acerca de tópicos abordados ao longo de anos e outrora escritos. Faço esse registro porque é importante dizer que estou atenta a mudanças de opinião. Não tenho dissonância cognitiva e, com efeito, não me aferro a convicções. Como disse Leon Festinger, psicólogo e criador da Teoria da Dissonância Cognitiva: “Uma pessoa com convicção dificilmente mudará de opinião. Mostre-lhe fatos e números e ele questionará suas fontes. Se você utilizar a lógica, ele não entenderá”.

Portanto, meus caros colegas, apontem-me a lei aplicável, a jurisprudência mais recomendável, os fatos e os números, que estou pronta a mudar o meu voto, quando esse, por tudo comprovado, se mostrar equivocado. “Não tenho compromisso com o erro”, disse, certa vez Juscelino Kubitschek.

Tenho, ainda, como verdade, que o julgamento monocrático, que até então promovia como juíza da 10ª Vara Cível da Comarca de São Luís, não é igual ao que passarei a promover agora no colegiado. Sou weberiana e, dessa forma, acredito que, principalmente, nos órgãos colegiados, os julgamentos passam por duas éticas: a da virtude (ou da convicção, como preferem outros) e a da responsabilidade. Não abro mão da ética das virtudes, que guarda relação com os valores pessoais em que acredito. Porém, por entender que, principalmente em julgamentos colegiados, as consequências são mais abrangentes e, por vezes, as decisões podem ser definitivas, valorizarei, igualmente, a ética da responsabilidade, aquela que orienta as decisões na vida pública e que, muitas vezes é, entre as possíveis, a menos danosa ao conjunto da sociedade ou à governabilidade do próprio Poder Judiciário.

Quero ainda destacar dois pontos.

O primeiro: de cada um dos colegas desembargadores, ressaltei uma virtude, digamos assim, aplicada a gestão, amizade, determinação, gentileza, sabedoria, companheirismo ou à vida mesmo. Mas, isso não significa que minha impressão se limite a essas expressões. Todos nós somos multifacetados, complexos, porque humanos, de modo que não há como sermos definidos em uma ou duas palavras, ou rotulados como sendo dessa ou daquela maneira.

Só a título de exemplificação, poderia falar por horas sobre as grandes gestões dos Desembargadores José Joaquim, Cleones e Lourival, à frente da presidência do Tribunal ou da Corregedoria. Este último, por sinal, enfrentando o auge da pandemia, mostrou uma capacidade sobre-humana para manter o Poder Judiciário estadual em pleno funcionamento e ainda promover inovações. Verdadeiramente Desembargador Lourival, Vossa Excelência com o avião no ar e pegando fogo, conseguiu trocar peças e conduzi-lo ao chão sem que passageiros e tripulantes sofressem danos.

De fato, o que me impede de assinalar todas as qualidades que vislumbro em cada um de vocês é um negócio chamado tempo. Se fosse detalhar, correria o risco de ficar falando até amanhã nesse Plenário e, por certo, falando sozinha. Tentar resumir em breves palavras o meu sentir foi a maneira a que me lancei para apresentar-lhes um pequeno recorte e reconhecer o quanto aprendi com todos. E o quanto pretendo seguir aprendendo. De tudo quanto não gostei (ou não gosto), e, por isso, considero defeito, procuro me distanciar e a isso não dispendo tempo de vida por considerar irrelevante. Ao tempo em que desejo e peço a vocês que tratem minhas inúmeras falhas, presentes e futuras, com o mesmo descaso e bastante condescendência.

Segundo ponto: peço de público aos meus fraternos colegas do primeiro grau e aos amigos que continuem a me tratar pelo primeiro nome, Sônia Amaral, não esqueçam desse pedido. Somos todos magistrados e o título faz parte apenas da liturgia do cargo, quando estivermos em sessão ou audiência. No mais, repito, ficarei muito feliz em ser tratada por vocês como uma igual. Se o colega do primeiro grau fizer questão de ser chamado de doutor, excelência ou meritíssimo, assim o farei, mas, mesmo assim, a exigência de me chamar pelo primeiro nome permanece e é inegociável.

Não lhes quero extenuar e, próximo do final dessa fala, não posso encerrá-la sem agradecer a Deus, de quem só recentemente me aproximei graças a amigos e ao vasto e portentoso legado do irlandês C.S.Lewis: esses os caminhos que me guiaram a crer firmemente na existência, na sabedoria e na bondade divinas.

A meus pais, meu reconhecimento eterno: malgrado sua pouca condição financeira, não descuidaram em me prover boa educação e nem me pouparam dos ensinamentos basilares de conduta e de caráter.

Ao meu marido, Afonso, meu obrigada pela paciência em suportar por quarenta anos uma pessoa que precisa de “tradução”, dada a tal contradição de Gullar que me é inerente;

Aos meus filhos, Afonso, João Victor, Luis Sérgio e Afonso Neto, orgulhosa que sou pelo que se tornaram: bons e preparados para a vida; às minhas noras e suas famílias, que somam em quantidade e qualidade à minha própria família; às minhas netas, Maria Luisa, Isabela, Giovana, Gabriela e Helena, alegria nos finais de semana; às minhas irmãs, Silvia e Maria Angélica, parceiras e, muitas vezes, confidentes; aos meus irmãos falecidos, Celso e Ivana: eterna saudade; aos meus sobrinhos e sobrinhas, também motivos de orgulho; à minha sogra, pela pessoa que é e por ter me dado de presente meu querido Afonso; aos meus cunhados e cunhadas, em grande número, e que me acolheram na família de braços abertos; aos funcionários do Tribunal, da Corregedoria e dos Fóruns que sempre estiveram à disposição para completar as lacunas do meu conhecimento em temas pouco afetos à jurisdição; aos meus queridos funcionários da 10ª Vara Cível, indispensáveis que foram na tentativa diária de cumprir meus ditames profissionais; e aos meus amigos, que fazem os meus dias mais leves e prazerosos.

Entretanto, (e para quem gosta de falar, como eu, há sempre uma adversativa), quero, agora sim, fechar com Thomas Sowell.

“Não pode haver qualquer estrutura judiciária confiável toda vez que juízes forem livres o suficiente para impor, como lei, suas próprias noções individuais sobre o que é justo, caridoso ou está mais de acordo com a justiça social.

(…)

“Apesar de os juízes terem conhecimento e habilidades especializadas para determinar em que ponto a lei limita a liberdade de ação dos indivíduos, isto é completamente diferente de termos juízes dando palpites sobre como indivíduos legalmente responsáveis devem exercer a liberdade de ação que lhes é devida dentro dos limites da lei.”

(…)

“A crescente penumbra de incertezas que se cria em torno de todas as leis sempre que os juízes se entregam às suas próprias noções, encoraja a criação de crescentes litígios por parte daqueles que não teriam um caso real válido sob a lei escrita, mas que podem, contudo, se tornar capazes de extorquir concessões dos que eles processam, os quais, por sua vez, nem sempre estão dispostos a arriscar uma engenhosa interpretação da lei, dada por determinado juiz.”

A todos, muito obrigada.

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