sábado, 8 de junho de 2019

Festa lusitana

Carlos Nina


À memória de Manoel Alves dos Santos e Silva



O Dia de Portugal não é uma data que remete a um fato ou personagem político, mas à morte de um poeta, Luís Vaz de Camões, em 10 de junho de 1580, e seu ingresso na imortalidade, como autor d´Os Lusíadas, poema épico e marco na literatura universal, pelo valor artístico, histórico e especialmente pela dimensão humanística da obra.

António José Saraiva e Óscar Lopes informam que em cartas particulares Camões revelou suas arruaças noturnas. Foi militar. Combatendo em Marrocos perdeu um olho. Esteve na cadeia por agressão. Superou todo esse passado e sagrou-se autor de relevante obra literária. (História da Literatura Portuguesa. 9ª. Porto, PE, 1976. p. 329).

Em Os Lusíadas, disseram Saraiva e Lopes (p. 351), Camões opôs Vênus, protetora dos portugueses, a Baco, “inimigo deles”, e destacou, com invulgar talento, dois fatores que convergiam para exaltar o patriotismo, que, com certeza, foi fundamental para sensibilizar a população e levá-la a festejar a data da morte do poeta. Fenômeno que induziu à institucionalização daquela data como o Dia de Portugal.

Aqueles fatores são a vocação marítima dos portugueses e sua paixão pela última flor do Lácio, de que falou Olavo Bilac. Tão verdadeiros e reais eram esses sentimentos que permaneceram enraizados e continuaram sendo expressos na arte portuguesa, a exemplo da conhecidíssima frase de Fernando Pessoa – não raro, equivocadamente interpretada: “navegar é preciso”.

O poeta Virgílio Ferreira (1916-1996) resumiu essa dupla paixão: “da minha língua vê-se o mar”. Também a banda Sétima Legião, mais recente, canta, em “Sete Mares”: “Tem mil anos uma história /de viver a navegar (...) / Se os mares são só sete / há mais terra do que mar / ... Voltarei amor com a força da maré ...”

A história é prova da justiça dessa exaltação. E a geografia contribuiu, porque, como destacam Joao Paulo Oliveira Costa e Vítor Luís Gaspar Rodrigues (Construtores do Império. Lisboa, Esfera dos Livros, 2017. p. 13), “Reino isolado no extremo sudoeste do mundo conhecido, impossibilitado de crescer devido à vizinhança do colosso castelhano, Portugal encontrou no mar a sua viabilidade.”

Saindo pelo Atlântico Portugal abriu novos horizontes para os portugueses e para o mundo, assumindo seu destino e a natureza a que se referiu Ana Silvia Scott: “Falar dos portugueses é falar de movimento”. (Os portugueses. São Paulo, Contexto, 2012. P. 91).

Isso os fez exploradores e até, com Gil Eanes, dobrar o Cabo Bojador e romper o “fim do mundo”, como era conhecida aquela temida parte do oeste da África. (Construtores do Império, p. 35)

A exploração marítima europeia teve seu início e foi alavancada pelos portugueses, seus intrépidos navegadores que, no século XV, fizeram aquelas que ficaram conhecidas como as Grandes Navegações.

Espalharam-se pelo mundo de tal forma que a República Portuguesa tem um ministério, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, voltado exclusivamente para cuidar dos portugueses fora da terra lusitana.

Parabéns, portanto, aos portugueses, pelo Dia de Portugal, Dia de Camões e Dia das Comunidades Portuguesas. E aos povos aos quais se integraram com elevado espírito humanitário.


Carlos Nina
Advogado

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