domingo, 21 de julho de 2019

A Ilha castigada

Carlos Nina


Há uma fábula urbana que trata de suposto diálogo do Criador com alguém que estava ao seu lado quando Ele criava os países. Vendo que estavam sendo colocados furacões, terremotos, tsunamis, tufões e outros fenômenos da natureza em diversos países, exceto em um deles, que estava recebendo apenas belezas pantanais, florestas amazônicas, imensa rede fluvial, extenso litoral atlântico, perguntou o curioso ao Mestre o motivo de tal distinção. A resposta, em versão livre, teria sido: - Calma! Você vai ver os agentes públicos e políticos que vou colocar lá.

Seria difícil imaginar qual o país que teria inspirado tal fábula se fôssemos partir do parâmetro das belezas naturais porque praticamente todos as têm. Uns mais do que outros, mas todos os países têm algo que pode ser considerado belo. Talvez a identificação do beneficiário do privilégio divino esteja no contrapeso. Ou seja, na dica dada pelo Arquiteto: o perfil das pessoas que contrabalançariam os supostos privilégios.

A ser verdadeira a moral da fábula, dá para entender os motivos pelos quais determinada Ilha tem sido um ninho de maus administradores, que, impiedosamente, a têm castigado, tanto por ação deletéria como por omissão criminosa.

Banhada pelas ondas rendadas que sobem das profundezas da Atlântida, refluem elas batizadas pelas águas fétidas contaminadas dos esgotos que a Ilha produz, impunemente, com o beneplácito da administração omissa e da fiscalização cega, regadas pelas tubulações por onde escoam verbas públicas desviadas para os poços sem fundo da corrupção.

Rica de encantos naturais, ostentando belíssimas praias, dunas de areia maravilhosas, rios brotando de suas entranhas, vegetação diversificada, litoral com profundidade privilegiada para receber os maiores navios do mundo e de maior calado, bafejada com os ventos das enchentes das marés, nada disso consegue sensibilizar os que deveriam zelar por ela, nem impedir sua ação e omissão devastadoras e impunes. Maus exemplos que estimulam outros ignorantes e mal educados a jogar lixo pelas janelas dos carros, amontoar sujeira nos espaços públicos, terrenos baldios e rios, enfim, desenvolver intensa, eficiente e eficaz ação poluidora, entupindo esgotos e não cuidando de suas próprias calçadas, construindo um lugar exuberante em lama, lixo e riscos à saúde e à vida, com ruas enfeitadas de buracos que se proliferam cada vez mais e maiores.

Ainda assim, Ilha do Amor, dizem uns. Frenética Ilha, dizem outros. Dos azulejos, sim. Quebrados e surrupiados. Atenas, antes; apenas, agora, objeto de poemas sujos, com ferreiros que nela urinam pus e machadadas em odes a Tróia, revelando a existência de “lunfas políticos que em manhãs (...) saem, quais ratazanas pelo ouro nutridas, apodrecendo o podre, nutrindo o cadáver.”

Há, mais velozes, os que, em pontas de areia, na lua cheia, veem sereias dançando felizes e, no meio dos escombros do patrimônio tombado no chão, ainda imaginam sobrados e telhados brilhando.

Talvez os ilhéus, não acreditando na sina da fábula urbana do contrapeso de gente ruim, ponha fé na lenda da serpente, torcendo para que esse réptil imaginário saia faminto da lagoa e faça das “ratazanas pelo ouro nutridas” o seu desjejum.

Carlos Nina
Advogado

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