segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Tempos conturbados

Carlos Nina*

Vive-se em tempos conturbados. Do bairro ao mundo. Ao universo, pois já se ouve falar na conquista do espaço sideral. Não da ida à Lua, ou a Marte, mas de chegar o mais perto do Sol quanto permitido aos equipamentos projetados para tal fim. Mas a pior conturbação não se revela nessa aventura supostamente científica, mas nos embates que se travarão para preservar ou destruir os satélites e as estações que orbitam a Terra e nas consequências dessa empreitada que George Lucas prevê em sua “Star Wars” e Júlio Verne certamente já pensara quando escreveu “De la Terre à la Lune”, há 160 anos!!!

Enquanto isso, erupções vulcânicas, terremotos, tufões e furacões, dentre outras manifestações espetaculares da Natureza, causam desastres que desafiam e vencem toda a tecnologia já desenvolvida pelo homem. O máximo que este consegue é saber que eles virão. Mas não têm como vencê-los. Pior, porém, que toda a força destrutiva que esses fenômenos carregam, sem maldade, é a maldade que brota do coração ou de algum outro lugar recôndito do ser humano e que, talvez pela expansão dos meios de comunicação, parece ter-se proliferado em progressão geométrica, enquanto a bondade vai-se escondendo, quase envergonhada, constrangida pela ousadia e ferocidade dos maus. Uma espécie de versão física da conhecida constatação de Rui Barbosa de que o homem, de tanto ver triunfar as nulidades, prosperar a desonra, crescer a injustiça, agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.

Quem se der ao cuidado de estudar a história da humanidade, porém, vai saber que muitos dos horrores de hoje já foram praticados antes, com igual ou maior requinte de crueldade. O Marquês de Sade é quase contemporâneo dos dias atuais, se considerados os tempos milenares remotos que já os registrava. Está tudo lá, no passado. Como os impérios aos quais se referiu Harari (Sapiens, 2017), destacando o cerco romano a Numância, vitória “tão completa que os vitoriosos se apropriaram até da memória dos derrotados.”

Pode ser que Rousseau tivesse razão quando concluiu que o homem nasce bom e que a sociedade é que o corrompe. Mas a sociedade não é outra coisa senão o homem convivente com seus semelhantes. Formada pelo homem, se a sociedade o corrompe, é, enfim, o próprio homem que corrompe os que nascem. Daí a lógica de Augusto Cury, sobre a tese de Rousseau: o homem nasce neutro e o sistema social educa ou realça seus instintos, liberta seu psiquismo ou o aprisiona. Normalmente o aprisiona, diz Cury. Mas quem é o sistema social? Quem educa? Quem realça instintos, liberta ou aprisiona psiquismos, senão o próprio homem? Então, como pode nascer bom para fazer o mal? Como pode nascer neutro se vai corromper alguém?

A sociedade é a soma dos homens. Não importa se nascem bons, maus ou neutros. A sociedade existe em permanente conflito porque nela há, independentemente de como nasceram, os que lutam para fazer o bem e os que se comprazem em fazer e ver os outros sofrer, cuidam apenas de si mesmos, de suas ambições, de suas vaidades. E há os neutros, que silenciam. Fazem bem ou mal? ´

E nós, o que somos?

*Advogado. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário